Indústria do Audiovisual

Diante de outros segmentos tradicionais da economia brasileira, o Audiovisual ocupa lugar cada vez mais destacado, com arrecadação que ultrapassa o desempenho de ramos tradicionais como equipamentos de informática, produtos eletrônicos, fabricação de celulose, produtos farmacêuticos e têxteis.

A importância deste mercado na economia nacional é clara, de maneira que a tributação que é exercida sobre seus agentes torna-se volumosa e considerável. Portanto, um estudo voltado aos procedimentos desta atividade, sob a ótica do jurista, revela-se necessário.

Tributação setorial: Indústria do Audiovisual

A primeira aparição da palavra cultura no texto constitucional ocorreu em 1824, ainda no Império, na Constituição Política do Império do Brazil. Veja o que disse o constituinte da época:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

A partir desta, que foi a primeira Constituição brasileira, o tema cultura gradativamente ocupou espaço em todos os textos constitucionais, nem sempre de modo claro e expresso, como por exemplo, ocorreu na Constituição pós Império em 1891, quando as palavras “letras”, “arte” e “ciência” serviram para suscitar o tema. Veja:

Art 35 – Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:

2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais;

Em 1934, a cultura passa a ter relevância maior no texto constitucional, a ponto de receber tratamento específico em capítulo dedicado exclusivamente a “educação e cultura”:

Art 148 – Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual.” 

Já em 1937, o texto Constitucional da era Getúlio Vargas acentua o tema, de modo a imputar ao Estado responsabilidade maior no tratamento da cultura. Leia abaixo:

Art 128 – A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.

É dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino. 

Art 129 – A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

Na quinta Constituição brasileira, em 1946, o tema cultura figurou sem destaque nos seguintes termos:

“Art 174 – O amparo à cultura é dever do Estado.”

Seguindo o exemplo do texto antecessor, a Carta Magna de 1967 e a Emenda à Constituição nº 1 de 1969, reproduziram as mesmas palavras nos artigos 172 e 180 respectivamente.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, firmou em definitivo o tema da cultura na ordem constitucional brasileira. Foi além dos textos passados e cedeu amplo espaço à questão, ao ponto de citar a palavra cultura 66 (sessenta e seis) vezes, enquanto as primeiras Cartas mencionaram no máximo, 7 (sete).

Logo, importa brevemente analisar a influência da Constituição vigente na valorização, manutenção e fomento da cultura brasileira. Isto para se verificar até que ponto a Carta Maior influenciou direta ou indiretamente na expansão do setor de Audiovisual nas últimas décadas.

A cultura na Constituição de 1988

A Constituição atual descentralizou os encargos relativos à cultura e os atribui a todos os Entes políticos, tornando assim, todo o Estado brasileiro sujeito aos deveres acerca desta matéria. Isto ocorreu a partir da previsão do artigo 23 da CRFB, que repartiu entre os Entes federados a competência e a responsabilidade pela adoção de providências que garantam proteção e acesso à cultura.

Além disto, outorgou aos Estados, DF e União Federal a competência para legislar sobre o tema. Veja:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; 

Nos artigos 215 e 216, a CRFB dedicou atenção exclusiva ao tema, ao passo que listou garantias e incentivos atinentes ao efetivo exercício do direito à cultura. Nesta hora, o escopo da atuação estatal na cultura foi ampliado e, além disto, a atividade do Estado se vinculou definitivamente ao tema.

Nesta esteira, o texto constitucional exibiu uma série de garantias voltadas ao exercício dos direitos culturais afetos a todos os grupos partícipes do processo civilizatório nacional. Dissertou sobre particularidades da cultura, como as datas comemorativas, e fez menção a questões mais profundas como valorização, difusão e formação do patrimônio cultural brasileiro.

Noutro giro, é possível extrair da Constituição atual registros que se comunicam diretamente com o Audiovisual, isto porque há comandos como o descrito no §3º do artigo 216, que expressamente descrevem incentivos à produção e ao conhecimento de bens e valores culturais, exatamente como faz o Audiovisual brasileiro.

O artigo 216-A, §1º, nos incisos II e III, igualmente apresenta aspectos que cuidam da atividade desenvolvida pela indústria Audiovisual, quando, por exemplo, delibera sobre a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, além do fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais.

Decerto que os comandos indicados na Constituição foram (e ainda são) a mola propulsora para o surgimento de políticas públicas a partir da década de 90. Essas políticas públicas, majoritariamente capitaneadas pela União Federal, resultaram numa indústria de Audiovisual economicamente importante e que persiste em crescer a despeito do momento econômico do país.

O Audiovisual nos últimos 20 anos

De segmento decadente e esquecido na década de 90, passados vinte anos o Audiovisual brasileiro ocupa posição importante no cenário econômico nacional. Políticas públicas[1] passaram a regular e incentivar a participação da iniciativa privada no setor, a Lei nº 12.485 de 2011 alavancou o surgimento de produções nacionais independentes e obrigou a concessão de espaço em horário nobre, nos canais de TV fechada. Dentre outros, estes foram alguns elementos determinantes para o boom do setor neste período.

Nos últimos dez anos a atividade do setor Audiovisual percebeu crescimento econômico superior a 200% (duzentos por cento)[2] e hoje o setor alcança índice de crescimento que ultrapassa até o do PIB brasileiro[3]. A média anual de expansão econômica superou a marca dos 8,0% (oito por cento) no período entre 2007 e 2015.

Não obstante as oscilações econômicas do país, esta é uma atividade que mantêm o viés de crescimento, prova disto é a diminuição do déficit da balança comercial do Audiovisual brasileiro e como exemplo, a comparação entre os anos de 2014 e 2015 chama a atenção; em 2015 as exportações cresceram 110% (cento e dez por cento), em números absolutos mais do que o dobro se comparado com 2014, (154 milhões de dólares contra 73 milhões de dólares, respectivamente[4]). Neste contexto, sabe-se que historicamente o Brasil é um país que importa mais do que exporta – em 2011 era o 3º maior importador do mundo[5] de conteúdo e serviço audiovisual – contudo, dados recentes demonstram tendência diversa e animadora.

Diante de outros segmentos tradicionais da economia brasileira, o Audiovisual ocupa lugar cada vez mais destacado, com arrecadação que ultrapassa o desempenho de ramos como equipamentos de informática, produtos eletrônicos, fabricação de celulose, produtos farmacêuticos e têxteis. Ademais, as cifras do Audiovisual[6] começam a fazer frente a setores consolidados como telecomunicações, tecnologia, informação e veículos automotores.

Diante de tais fatos e números, resta clara a importância deste mercado na economia nacional, de maneira que a tributação que é exercida sobre seus agentes torna-se volumosa e considerável. Portanto, um estudo voltado aos procedimentos desta atividade sob a ótica do jurista, revela-se pontual e necessário.

ISS NA PRODUÇÃO DE FILMES

A interpretação deturpada a respeito de determinada atividade pode resultar na tributação indevida, por logo, inconstitucional.

Os estudos acerca do tema apontam para a confusão que se faz entre o conceito de cinematografia, que é uma atividade restrita e necessária na linha de produção de filmes, com o conceito amplo que acolhe a produção cinematográfica ou, produção de filmes. É neste contexto que o Fisco Municipal cobra do particular, com base no item 13.03 da Lista Anexa da Lei Complementar nº 116[7] de 2003. Logo, fixar conceitualmente as atividades de cinematografia e produção de filmes é o que se pretende abaixo.

A Lei Complementar nº 116 compreende uma lista anexa que elenca atividades passíveis de tributação pelo ISS[8], então, na sua aprovação, o item 13.01 que contemplava a incidência do imposto sobre a atividade de produção e gravação de filmes, foi vetado pelo Presidente da República. Ocorre, porém, que o item 13.03, mantido no texto, ainda prevê a incidência do ISS sobre a atividade de cinematografia, nos seguintes termos:

“13.03 – Fotografia e cinematografia, inclusive revelação, ampliação, cópia, reprodução, trucagem e congêneres.” (nosso grifo)

Portanto, há diferença entre a produção filmes e a cinematografia, desta forma, coube ao Superior Tribunal de Justiça examinar o tema de modo a diferenciar a produção cinematográfica da atividade de cinematografia. O Recurso Especial nº 1.308.628 de 2012 serve de parâmetro para entender a posição do Tribunal, por isto, vale a leitura de parte da decisão.

A partir da vigência da Lei Complementar 116/03, em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção. Ademais, não é possível, para fins de tributação, enquadrar a atividade em questão em hipótese diversa, de cinematografia, pois: i) “Existindo veto presidencial quanto à inclusão de serviço na Lista de Serviços Anexa ao Decreto-lei 406/68, com redação da Lei Complementar 56/87, é vedada a utilização da interpretação extensiva” (REsp 1.027.267/ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29/04/2009); ii) Historicamente, a cinematografia já estava contida na lista anexa ao DL 406/68 (item 65) e nem por isso justificava a incidência do tributo sobre a gravação (produção) e distribuição de filmes, que estava amparada em hipótese autônoma (item 63); iii) a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes. A produção cinematográfica é uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a ser produzido, a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem e, é claro, a própria cinematografia.

Afasta-se, portanto, a incidência do ISS sobre a atividade exercida pela empresa recorrente.

Recurso especial provido.”

Neste mesmo julgado, ao relatar os termos do acórdão[9] recorrido, o Ministro destacou parte que nos interessa, pois, descreveu definições da “cinematografia” conforme fontes diversas. Veja:

“Cinematografia é a atividade que engloba (Houaiss) “o conjunto de princípios, processos e técnicas utilizados para captar e projetar numa tela imagens estáticas sequenciais (fotogramas) obtidas com uma câmera especial, dando a impressão ao espectador de estarem em movimento (…). (…) É “o processo de filmar e expor imagens” (Caldas Aulete), é o “conjunto de métodos e processos empregados pra registrar e projetar fotograficamente cenas animadas ou em movimento” (Aurélio). Em inglês, por exemplo, o vocábulo equivalente, cinematography, é definida como “The art or tecnique od movie photography, including both the shooting and development of the film”, ou seja, a arte ou técnica de filmagem, incluíndo a captação e o desenvolvimento do filmeNo artigo Princípios da Cinematografia, de Filipe Salles, disponível na internet, no sítio http://www.mnemocine.art.br, consta: “O termo cinematografia vem de “cinematógrafo”, aparelho desenvolvido pelos irmãos Auguste e Luis Lumière na França, para projeção de imagens em movimento, e que coincidentemente ficou conhecido como cinema. O termo é usado nos EUA como sinônimo de ‘fotografia para cinema‘, uma vez que a cinematografia subentende a captação de uma imagem cinematográfica, cuja técnica é de responsabilidade da equipe de fotografia. Entretanto, o termo aqui no Brasil tende a ser mais amplo, envolvendo todas as funções do cinema”. (Grifos nossos).

E encerrou  determinando a não incidência do ISS sobre a produção / gravação de filme, por não ser uma atividade expressamente prevista na Lista anexa da Lei Complementar nº 116 de 2003. Leia abaixo:

“Com efeito, conforme o primeiro significado estampado pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa, cinematografia é “o conjunto de princípios, processos e técnicas utilizadas para captar e projetar numa tela imagens estáticas sequenciais (fotogramas) obtidas com uma câmera especial, dando a impressão ao espectador de estarem em movimento. Já a produção cinematográfica é uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a ser produzido, a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem, e, é claro, a própria cinematografia. O item 13.03 permite, ao meu ver, a cobrança do ISS sobre os valores que o cineasta aufere para atuar na produção de determinado filme. Não se confundem, portanto, as receitas obtidas pelo produtor e pelo diretor de filmes. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para afastar a incidência do ISS sobre a atividade exercida pela autora e determinar o retorno dos autos para que o Tribunal de origem aprecie as demais questões deduzidas na apelação, relativas à repetição do indébito. É como voto.”

Perceba, portanto, que há limitações naturais na atividade de cinematografia que diferem claramente das inúmeras atividades que se relacionam com a produção de filmes. Esta última tem caráter empresarial e abrangência ilimitada, pois interage com mercados e profissionais distintos e, além disto, excede ao limite de determinada técnica, como é o caso cinematografia, que, por sua vez, é restrita a técnica de captar e projetar fotografias. A produção de filmes é o resultado (produto) percebido pelo grande público, ao contrário da cinematografia que é parte integrante da linha de produção da arte pretendida.

Assim, conclui-se que os (i) artigos 107 até 112 do Código Tributário Nacional[10], somados a (ii) revogação expressa do item 13.01 da Lista Anexa da Lei Complementar nº 116 de 2003 – procedida pelo então Presidente da República, e a (iii) conceituação da atividade produção de filmes ou produção cinematográfica, são elementos diversos que aclaram o que porventura poderia parecer obscuro, de modo a aniquilar a possibilidade de tributação do ISS sobre a atividade da produção cinematográfica.

Finalmente, vale observar que por não se tratar de atividade sujeita à tributação pelo ISS, não há exigência de emissão nota fiscal, visto que este documento fiscal é mandatório apenas aos prestadores de serviços elencados na lista da Lei Complementar n.º 116/03. Basta, portanto, a emissão de recibo.

LICENCIAMENTO DE DIREITOS E OBRAS AUDIOVISUAIS

O item 3.01 da lista anexa da referida Lei Complementar nº 116 de 2003 foi vetado; este item previa a tributação do ISS sobre a locação de móveis. Sobre este tema o STF se posicionou de modo definitivo por meio da Súmula Vinculante nº 31, que diz o seguinte:

É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviço de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”

As duas cortes superiores STF e STJ, já se manifestaram no sentido de que a cessão de direitos autorais não atrai o ISS por configurar locação de bem móvel. Portanto, o licenciamento de direitos e obras de audiovisual, não enseja a incidência do Imposto municipal ISS. Veja abaixo parte de um julgado do STF:

“DECISÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISS SOBRE CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS. ESPÉCIE DE LOCAÇÃO DE BEM MÓVEL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA: ACÓRDÃO CONFORME À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

(…)5. Razão jurídica não assiste ao Agravante. 6. O Desembargador Relator no Tribunal de Justiça fluminense afirmou: “No caso dos autos, a cessão de direito autoral não está prevista expressamente dentre as hipóteses de incidência do Imposto Sobre Serviço, descritas no anexo a Lei Complementar 116/2003, havendo, portanto, a necessidade de perquirir quanto à própria natureza da cessão de direito autoral, para eventualmente subsumi-la ao referido anexo. O imposto sobre serviço incide sobre serviços de qualquer natureza, sendo este definido como a prestação de uma atividade, cuja conduta consiste em uma obrigação de fazer. O direito autoral tem natureza de bem móvel por força do disposto no art. 3º da Lei 9.610/98 (‘os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis’). Sua cessão, conforme previsto no art. 49 da Lei Especial, mantém a mesma natureza, pois o que se cede é o direito de uso da obra criada. O objeto da cessão é a obra e não o fazer. A conduta correspondente compreende uma obrigação de dar, com a entrega de coisa móvel e não uma obrigação de fazer. Sendo assim, a cessão de direito autoral não se enquadra dentre as hipóteses de incidência previstas no anexo da Lei Complementar 116/2003, seja porque não está expressamente prevista, seja porque sua natureza jurídica não se subsume a qualquer daqueles fatos geradores elencados” (fls. 364-365, grifos nossos). 7. No Recurso Extraordinário n. 626.706, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da questão constitucional tratada nestes autos e assentou não incidir Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre locação de bens móveis: “Tributário. Imposto Sobre Serviços (ISS). Não incidência sobre locação de bens móveis. Filmes cinematográficos, videoteipes, cartuchos para vídeo games e assemelhados. Súmula Vinculante n. 31. Art. 156, inciso III, da Constituição Federal” (DJe 24.9.2010). O entendimento está consolidado na Súmula Vinculante 31 desse Supremo tribunal: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. O acórdão recorrido não diverge dessa orientação, pelo que nada há a prover quanto às alegações do Recorrente. 8. Pelo exposto, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se.Brasília, 21 de maio de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (AI 860619, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 21/05/2014, publicado em DJe-101 DIVULG 27/05/2014 PUBLIC 28/05/2014)

Por não se tratar de atividade sujeita à tributação pelo ISS não há exigência de emissão nota fiscal, visto que este documento fiscal é mandatório apenas aos prestadores de serviços elencados na lista da Lei Complementar n.º 116/03. Basta, portanto, a emissão de recibo.

ISENÇÃO DO IPTU PARA EMPRESAS DO SETOR DE AUDIOVISUAL SEDIADAS NO RIO DE JANEIRO

A Lei ordinária municipal nº 5.922 de agosto de 2015, deu nova redação ao inciso IX, do artigo 61, da Lei nº 691 de 1984[11], para isentar o IPTU dos imóveis situados no município do Rio de Janeiro, utilizados por empresas da indústria cinematográfica. Apesar de prevista em Lei, a isenção fica condicionada ao reconhecimento pelo Município, como prevê a Lei, veja:

Art. 1º O inciso IX do art. 61 da Lei nº 691, de 24 de dezembro de 1984, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. (…)

(…)

IX – até 31 de dezembro de 2022, os imóveis utilizados por empresas da indústria cinematográfica, por laboratórios cinematográficos, por estúdios de filmagem e de sonorização, por locadoras de equipamentos de iluminação e de filmagem de cinema e de vídeo e por distribuidores que se dediquem, exclusivamente, a filmes brasileiros, naturais ou de enredo;

Art. 2º A isenção prevista no inciso IX do art. 61 da Lei nº 691/84, com a redação dada pelo art. 1° desta Lei, fica condicionada a seu reconhecimento pelo órgão municipal competente, na forma estabelecida pelo Poder Executivo, mesmo com relação a imóveis que já foram beneficiários com base na redação anterior daquele inciso.” (Nosso grifo).

Cumpre observar que se o imóvel é utilizado por duas ou mais empresas, com objetos sociais distintos, a isenção valerá em favor daquela empresa que atua na indústria cinematográfica. Veja por exemplo, que o Município do Rio de Janeiro, no processo administrativo nº 04.66.302198./2007[12], deferiu a isenção da fração equivalente a 76,92% (setenta e seis por cento) do imóvel, já que esta era a parte ocupada pela empresa do setor audiovisual. Ainda sobre esta questão, no processo judicial nº 0012181-89.2004.8.19.0001, que correu no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a mesma situação foi julgada e a decisão foi igual.

É válido ressaltar que as empresas distribuidoras, só têm direito a isenção do IPTU se atuarem exclusivamente com filmes brasileiros, como prevê o artigo 1º, acima citado.

IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE PATROCÍNIO

O artigo 43, I, do Código Tributário Nacional informa que o fato gerador do Imposto de renda é a aquisição da disponibilidade de renda graças ao produto do capital e, ou, do trabalho. O inciso II do mesmo artigo diz que proventos de qualquer natureza que resultem no acréscimo patrimonial, são igualmente fato gerador do Imposto de renda.

As produtoras de Audiovisual lidam frequentemente com a verba de patrocínio para custear os projetos cinematográficos, daí surge o questionamento se sobre esta verba incide o Imposto de renda.

As hipóteses previstas no Código Tributário mencionam a renda como fruto do próprio capital ou da aquisição pelo trabalho e diz ainda, de proventos de qualquer natureza que resultem em acréscimo patrimonial. No caso da verba incentivada em favor das produtoras, não ocorre nenhuma das hipóteses previstas no artigo 43. Entenda: se utilizada exclusivamente para custear a produção cinematográfica, a verba de patrocínio não resulta acréscimo patrimonial em favor da produtora, pois, é direcionada para cobrir os gastos da obra cinematográfica, de maneira que é administrada pela produtora com o fim único de alavancar o projeto. Por isto também, não é produto do seu próprio capital ou, renda percebida graças ao trabalho.

Para isto recomenda-se a criação de uma conta exclusiva para este fim em que fiquem registradas as transferências da verba do patrocinador e os respectivos pagamentos a prestadores de serviço da produção cinematográfica.

Rio de Janeiro, 14 de abril de 2018.

Janssen Murayama e Eduardo Mauro Prates

[1] Os primeiros marcos legais que impulsionaram o setor foram as Leis nº 8.313 de 1991 e 8.685 de 1993, chamadas respectivamente de Lei Rouanet e Lei do Audiovisual. Após, surgiu a MP nº 2.228-1 de 2001, que criou o Conselho Superior de Cinema, a Ancine e estabeleceu outras prerrogativas ao setor como a Prodecine (Programa de apoio ao desenvolvimento do cinema brasileiro), Funcine (Fundo de financiamento da indústria cinematográfica nacional) e a Condecine, que é uma contribuição destinada ao desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional. O terceiro marco foi a criação do Fundo Setorial do Audiovisual que administra a arrecadação da Condecine. O quarto marco regulatório relevante foi a chamada “Lei da TV paga”, nº 12.485 de 2011.

[2] Conforme dados disponibilizados no sítio da Ancine, em pesquisa realizada em parceria com o IBGE.

[3] Conforme dados disponibilizados no sítio da Ancine e IBGE.

[4] Estudo promovido por Ancine: Brasil Comércio Exterior de Serviços Audiovisuais 2016

[5] O Brasil ocupava a terceira posição atrás apenas de Alemanha e Austrália, conforme releva o estudo promovido por MPA – Motion Picture Association, SICAV – Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual e Consultoria Integrada Tendências

[6] Em 2014 o setor de Audiovisual foi responsável por gerar uma renda no valor de 24,5 bilhões de reais, ao passo que o setor de telecomunicações, alcançou o valor de R$ 69 bilhões de reais. Estes dados estão disponibilizados no sítio da Ancine, em pesquisa realizada em parceria com o IBGE.

[7] A Lei Complementar nº 116 de 2003 dispõe sobre o Imposto Sobre Serviço, de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

[8] O ISSQN ou, Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza é um tributo cobrado pelos Municípios e Distrito Federal. Sua origem (fato gerador) está na prestação de serviço previsto na Lista anexa a Lei Complementar nº 116 de 2003. O contribuinte (aquele que é obrigado a pagar) é o prestador do serviço.

[9] Acórdão é a resolução ou decisão de um órgão colegiado de um tribunal, conforme definição do Dicionário da Língua Portuguesa Priberam.

[10] O capítulo IV da Seção nº III do Código Tributário Nacional, lista 6 (seis) artigos que dissertam sobre a interpretação e integração da legislação tributária.

[11] Código Tributário do Município do Rio de Janeiro.

[12] Administrativamente o contribuinte obteve a isenção do IPTU sobre a fração utilizada pela empresa do setor audiovisual, mas, no processo judicial nº 0011100-71.2005.0001, (ajuizado antes da instauração do processo administrativo), o contribuinte perdeu (ainda não transitou em julgado). Logo, a Secretaria de Fazenda do Município deferiu a isenção, mas, o Judiciário indeferiu e a Procuradoria Geral do Município briga para manter a decisão do Judiciário.